A noite estava calma, sem vento, e a temperatura estava óptima.
Para mantermos um certo isolamento de criaturas rastejantes, dormimos com uma rede mosquiteira a “tapar” a abertura do bivaque. Funcionou muito bem, mesmo sem o truque de a combinar com um boné de pala.
Tomar o pequeno-almoço “na cama”, e com esta vista, é um luxo. 🙂
Para chegar aqui vindos de Lisboa apanhamos o comboioRegional (cerca de 1h de viagem), e depois pedalamos cerca de 1h30 para fazer os 15 Km de caminho. A paisagem é campestre e verde, e apanhamos pouco trânsito automóvel (pelo menos a um domingo!).
Não começámos mal o ano de microaventuras, fizémos uma espectacular em Janeiro, com o Gonçalo (mas sem a Mutthilda) mas depois em Fevereiro e Março não conseguimos, os planos saíram furados por várias razões. Mas em Abril retomámos o comboio. 🙂
No domingo 24, véspera de feriado, saímos de casa, em Lisboa, pelas 20h30, para apanhar o comboio para Cascais. Lá, pedalámos cerca de 8 Km até à praia do Guincho. Tivémos muita sorte, estava uma temperatura amena e quase vento nenhum.
Andámos ali às voltas à procura de acessos para as bicicletas e a sondar o espaço para ver se encontrávamos um sítio simpático, seguro, adequado, sem chatear ninguém e onde ninguém nos chateasse, para pernoitarmos, bivaque style.
Não conhecíamos aquela praia, não sabíamos até onde chegava a maré, que movida nocturna haveria, etc, e depois de tudo considerado, estendemos os bivaques e afins na areia que cobria parte do deck de um barzinho de praia que se encontrava fechado.
Foi a nossa primeira microaventura sozinhos e num local relativamente perto da “civilização” e estávamos um bocado receosos de termos encontros imediatos com visitantes indesejados durante a noite. Mas correu tudo bem, não nos cruzámos com vivalma. 😛
Penso que foi um misto de factores, era só a 2ª vez que pernoitava na rua sem ser dentro de uma tenda (levámos os bivaques), estava meio com receio de haver gente a passar por ali durante a noite ou de manhã, e ainda não tinha atinado com a pressão de ar ideal para o colchão.
Mas faz parte da aventura (se for tudo muito fácil e confortável não é aventura!). E a experiência de “acordar” na praia deserta às 6 da manhã compensou tudo. 🙂
Tomámos o pequeno-almoço.
E houve sessões de frisbee com a Mutthilda. 🙂
Depois arrumámos as coisas, levando todo o lixo connosco, claro, e voltámos para Lisboa, com um desvio por Porto Salvo para almoçar com a família. Um bom uso de um feriado! 🙂
Em meados de Maio fizémos outra S24O, até Manique do Intendente, na Azambuja. A ideia era repetir mais ou menos um passeio que tínhamos feito em 2013, quase 2 anos antes, mas agora com duas diferenças: 1) a Mutthilda ia connosco, e 2) acamparíamos para pernoitar e regressaríamos no dia seguinte. Iríamos testar mais uma vez este conceito (S24O com um cão), mas num registo mais light, pois apenas teríamos que acampar para pernoitar, as refeições seriam com a família, na Herdade da Hera.
Arrancámos de Lisboa na 2ª-feira à tarde (atrasados, mas lá conseguimos sair!), apanhámos o comboio na estação de Roma-Areeiro – perdemos algum tempo devido à má sinalização, não dá para ir cá por cima, pois o acesso à plataforma é só por escadas, tivémos que andar para trás e dar a volta por fora, pela R. Frei Miguel Contreiras. Mas conseguimos apanhar o comboio, ufa! Fomos no Urbano até à Azambuja.
Eu arrumei a minha LHT no espaço para as cadeiras de rodas e bicicletas. O Bruno, como trazia um Wideloader na Big Dummy, tornando-a mais larga, ficou um bocado entalado sem conseguir rearrumar a bicicleta uma vez já dentro da carruagem. Mas as pessoas foram à volta, não houve crise. A única chatice é que não deu para irmos confortavelmente sentados, íamos a cuidar das bicicletas e de garantir que as pessoas passavam quando era preciso.
Quando chegámos à estação da Azambuja, até tivémos sorte, os eledadores estavam a funcionar. Mas são pequenos, pelo que tivémos que tirar a caixa transportadora da Mutthilda de cima do deck para a poder colocar, ao alto, no elevador. Depois mandei a Mutthilda, na caixa, e depois fui eu, também com a bicicleta ao alto. Já prestes a fazermo-nos à estrada, à saída da estação, apercebemo-nos de que estava um vento do caraças. Nesse aspecto não podíamos ter escolhido pior dia… Mas era o dia que tínhamos disponível, e já ali estávamos, por isso, suck it up and let’s go!
Apanhámos a N3, berma larga e com bom pavimento – sabiam que agora é legal usar a berma? Não é obrigatório, mas sempre que a berma é uma melhor opção que a faixa de rodagem, somos livres de a usar legalmente.
Infelizmente, a maior parte dos condutores não foi actualizado nem no novo Código da Estrada, nem na boa educação básica, quase nenhum abrandou e/ou se afastou particularmente de nós ao passar-nos. Podiam fazê-lo porque o CE assim o dita (abrandar e dar pelo menos 1.50 m de distância lateral de segurança), mas também por uma questão de respeito (reduzir o impacto que a deslocação do ar e o ruído têm sobre quem está fora do carro, em termos de conforto mas também de segurança, e, claro, a distância lateral suficiente para, se eu cair, ninguém me passar por cima sem querer… Mas pronto, foi pacífico e confortável o suficiente.
Uns 25 Km depois, e muuuuitoooooo vento, mas por estradas tranquilas e quase sem tráfego (depois de sairmos da N3) chegámos finalmente à Herdade da Hera, já caíra a noite.
Montar a tenda já de noite e no meio da ventania foi um teste útil. A nossa tenda porta-se bem nestas condições. Mas fazer aquilo de noite relembrou-nos a importância de investirmos numas luzes frontais, daquelas presas a umas bandas elásticas que colocamos na cabeça, ficando com a luz apoiada na testa. Essa compra entretanto já foi feita, embora ainda falte usá-las – temos que fazer mais uma S24O rapidamente!
Jantámos com a família e depois lá fomos dormir. Aprendemos mais uma coisa importante: levar connosco tampões para os ouvidos, teriam sido úteis numa noite de tanto vento. Mas haverão concerteza outras situações onde poderão ser úteis: se dormirmos num sítio onde se oiça o trânsito automóvel numa qualquer auto-estrada, ou os aviões num aeroporto, ou gente mal-educada num parque de campismo (como aconteceu nesta outra viagem), ou tivermos mesmo muito azar a escolher um sítio para pernoitar (como aconteceu à Kiri e ao Dan).
A ideia era dormir até o sol começar a bater na tenda (aí começa a ficar quente demais), afinal era “domingo”.
A Mutthilda dorme na caixinha, coberta por uma capa para a chuva, abrigada debaixo de uma das “asas” da tenda.
Ainda antes de nos levantarmos, soltámo-la, para que pudesse ir brincar e tratar do business dela. E queríamos só mais uns minutos de ronha. Mas ela tinha ideias diferentes. E meteu-se em cima de nós, por fora do compartimento da tenda mas por baixo da parte superior, para se proteger do sol, mas ficar “em cima de nós”. Sacaninha. Lá tivémos mesmo que nos levantar.
Levantámo-nos e, depois de tomar o pequeno-almoço, fomos dar uma volta pela Herdade, ver as vistas, conhecer os novos residentes e hóspedes. Cavalos, póneis, porcos, cabras, galinhas, etc.
A Mutthilda gosta muito da vida no campo, andar à vontade ao ar livre, sem trela, apanhar sol, ir meter-se com os outros animais. É uma animação. 🙂
Depois de passearmos e vermos as novidades da Herdade, voltámos à tenda para arrumar o estaminé antes de almoçarmos.
À tarde pusémo-nos de regresso a Lisboa. Desta vez dirigimo-nos para a estação de Santana-Cartaxo. À parte esta subida, feita a 5-6 Km/h, com a Mutthilda a dormitar, foi um percurso mais suave, e [10 Km] mais curto.
Da próxima vez que fizermos isto apanhamos o comboio Regional validando o Zapping (deve ficar 1.80 €), pagando depois o excesso para o Cartaxo, após passar a Azambuja. É a fórmula mais rápida, simples e barata. Quando regressamos, compramos o bilhete a bordo, dado que não há máquinas nem bilheteiras na estação de Santana-Cartaxo. Os Comboios regionais têm um espaço mais adequado para levar as bicicletas, embora aquele poste no meio da zona das portas estrague a manobrabilidade das bicicletas.
Este é um percurso e um destino interessante e bastante fácil de fazer no contexto de uma S24O. A Herdade da Hera tem estado em modo ‘soft opening‘. Entrem em contacto com eles para inquirir das condições a nível de campismo e alimentação, consoante a data da vossa S24O.
O Pedro (Velocorvo), convidou-nos para um S24O a meio de Abril e nós aceitámos prontamente! Para nós foi a primeira experiência neste formato, e a primeira vez a fazer campismo selvagem, mas o Pedro é um habituée e levou-nos para um seu local de eleição, no meio de umas rochas na serra de Sintra.
Para nós não é fácil conjugar coisas destas com outras pessoas dado que o nosso fim-de-semana (2ª e 3ª) não coincide com o fim-de-semana normal da maior parte das pessoas (sábado e domingo). Mas desta vez deu para juntarmos 6 pessoas, com o plano de sairmos de Lisboa a meio da tarde de Domingo (o que permite conjugar a volta com o nosso trabalho de manhã na escola), e regressarmos a Lisboa ao final da manhã de 2ª-feira.
Para isso foi fundamental a co-modalidade com o comboio, que apanhámos para lá e para cá.
Apanhámos o comboio em Campolide, outros no Rossio, outros em Benfica, e saímos na última estação, em Sintra. Depois de todos juntos, arrancámos, pois tínhamos uma serra para subir.
Chegámos ainda com tempo de montar o estaminé com luz do dia. Ficou apertado, mas coubémos todos.
A Mutthilda foi connosco, claro. E o A. levou o gira-discos, o que deu um toque especial à experiência. 🙂
Antes e depois do jantar subimos à rocha para apreciar a vista. O pôr-do-sol primeiro, e as estrelas depois.
O jantar incluiu massa instantânea, cogumelos, queijo, paté, folhados caseiros, chá, etc. Comida não faltou.
Depois de uma noite com um momento de emoção em que a S. se afastou para atender a uma chamada da natureza, caiu e se desnorteou momentaneamente para encontrar o caminho de volta sozinha, começando a gritar por ajuda, acordámos frescos. Tomar o pequeno-almoço na serra, na manhã seguinte, foi também muito bom.
Depois de voltarmos a arrumar tudo, lá saímos da “caverna” a meio da manhã, para regressar à civilização.
A parte mais positiva dessa perspectiva é que o que sobe (no dia anterior) tem que descer. 🙂
S24O [lê-se ésse-tu-fór-ou], é uma abreviatura para “Sub-24hour-Overnight“, um tipo de campismo de bicicleta promovido por Grant Petersen da Rivendell Bicycle Works como uma forma fácil de passar mais tempo lá fora numa bicicleta. Ao contrário do touring convencional, a s24o incentiva a fazer viagens curtas (sub-24horas) de campismo. A lógica é que se for curta e descomplicada, é mais fácil de organizar e mais fácil de fazer acontecer. Só se leva a bicicleta e o equipamento necessário.
Uma s24o ocupa menos de 24 horas, o que significa que dá perfeitamente para sair ao fim da tarde de sábado e estar de volta a tempo do almoço de domingo, ou seja, dá-nos tempo para tratarmos dos nossos afazeres domésticos e dos nossos compromissos familiares de fim-de-semana, e ainda assim encaixar uma microaventura de bicicleta, pedalar e passar algum tempo num ambiente natural. A Laura e o Russ explicam com um exemplo:
A outra grande vantagem é que, como é uma coisa de um dia para o outro, o equipamento e mantimentos necessários são reduzidos ao mínimo, ou seja, vamos mais leves, e não temos que perder muito tempo em preparações, nem preocuparmo-nos por não termos todo o equipamento ou o equipamento “certo” – é só um dia, desenrascarmo-nos-emos, amanhã de manhã estaremos de volta a casa. Para quem tem crianças pequenas, isto torna também mais fácil levá-las!
Finalmente, estas s24o permitem-nos ir fazendo testes simples e fáceis: testar a bicicleta, testar a tenda, o fogão, a arrumação, a roupa que usamos, o planeamento das rotas, a experiência em si e nós próprios! Ou seja, vamos facilmente afinando preferências e optimizando processos, tornando mais fácil metermo-nos em viagens maiores, ou mesmo grandes viagens.