No ano passado tropecei online no Wild Challenge. Fiquei logo a pensar “isto deve ser fixe“.
Mas correr não é a minha cena, nunca foi, e não me imaginava a ser capaz de ultrapassar aqueles obstáculos todos, a minha força de braços não é exactamente brilhante. Mas pensei “quem sabe um dia“.
Quando anunciaram uma prova para Maio de 2018, em Coimbra, com um novo “escalão”, o Experience, para quem quisesse “molhar os pés” no conceito, pensei “‘bora lá”. O Bruno alinhou também, embora ainda menos convencido que eu. Tínhamos 5 meses para nos prepararmos fisicamente para a coisa. Vamos apertar com os workouts em casa, e se calhar até começamos a fazer umas corridinhas de vez em quando. Ahahahah, o tempo voou e não mudámos nada nas nossas rotinas. Mas as intenções eram fortes! 😀 Mas decidimos ir à mesma. Não queríamos saber, se fôssemos os últimos, os tipos mais podres, que fosse. 🙂 Íamos experimentar.
Os nossos objectivos eram claros: divertirmo-nos, experimentar algo que nos parecia fixe e ver como nos dávamos, vencer o medo do fracasso e do desconforto, tendo como princípio fundamental evitar lesões, um luxo a que não nos podemos dar.
Para fazer render a viagem a Coimbra, decidimos fazer daquilo uma ciclo-escapadinha e uma microaventura. Então, seguimos para Coimbra no sábado ao almoço, com a mui estimada boleia da CP – sabiam que os Intercidades agora têm as zonas de bagagem e de bicicletas reformuladas? Embora entrar nas carruagens não seja super fácil, pelo desnível e pela largura das portas, a zona de bagagem está mais ampla, e agora é fácil ter as bicicletas e os alforges e afins todos no mesmo sítio e mesmo atrás de nós, o que dá outro nível de segurança e conforto. Parabéns e um obrigada à CP!
Chegados a Coimbra pedalámos até à praia fluvial de Palheiros e Zorro, em Torres do Mondego. Temos sempre uns stresses / atritos com a cena das rotas, mas lá atinámos com um plano e seguimos. Como é nosso apanágio, metemo-nos por uns atalhos que pareciam muito má ideia, como trilhos com lama, bastante inclinados, e aparentemente pouco usados, mas que pareciam ser os mais directos, quer pelo MAPS.ME quer pelo feedback de uma senhora da zona que interpelámos para confirmar.
Mas depois revelaram-se boas apostas, pois levaram-nos para caminhos na natureza, sempre mais bonitos e agradáveis do que circular nos ambientes urbanos típicos de Portugal (asfalto, carros e mais carros, betão e pouco verde, pouca natureza).
A paisagem era bonita, ao aproximarmo-nos da praia, e começámos a ver as estruturas da corrida ao longo da margem. Estávamos quase! Agora vem a preocupação de “onde iremos pernoitar?”. “Será que há um sítio fixe ali?” “Será que ninguém nos vai chatear por montarmos a tenda por aqui?”
Atravessámos a ponte provisória, mas tivémos o discernimento de voltar a pôr a Mutthilda no cesto, pois se ela caísse ao rio ia concerteza por ali afora com a corrente que parecia forte!
Chegados ao local, e antes de abancar, fomos dar uma volta e espreitar as imediações. Metemos conversa com outros campistas, e montámos a tenda ao pé do bar e do estaminé do Wild Challenge, pernoitando ali.
No dia seguinte, arrumámos tudo cedo. E fomos vendo os outros grupos a partir e a fazer os primeiros obstáculos.
E fomo-nos preparando mentalmente para o esforço de algo a que não estamos habituados a fazer (correr, antes de mais, mas todos os outros obstáculos), o desconforto de andar vestido e calçado dentro do rio (até foi pacífico, meus ricos duches diários de água fria, grande condicionamento!), e o natural medo de falhar, de nos magoarmos, e até do ridículo (mas meus ricos 30’s, tudo isto é hoje em dia tão mais pacífico).
Antes da nossa hora de partida arrumámos as bicicletas e a Mutthilda no cesto, e deixámos tudo ali, torcendo para que ninguém nos roubasse nada, nem levasse o cão. 😉
Fizémos a corrida. Sobrevivemos. Gostámos. Fizémos (ou pelo menos tentámos) quase todos os obstáculos. Divertimo-nos.
Voltámos e estava tudo lá, bicicletas, equipamento, cão. Ufa. Depois do almoço e banho, tudo pronto para zarpar. Mais ou menos.
Metemo-nos à estrada lá para as 16h e picos, para a parte mais complicada do dia (dado o esforço da corrida e o tempo que sobrava): pedalar 40 Km, com muita subida, descobrimos depois, até às Buracas do Casmilo, onde queríamos pernoitar.
Começou logo para sair da praia, mesmo a doer. 😛
Mas as vistas iam compensando.
Já sabemos que as subidas dão-nos as vistas, e as descidas. 🙂
Encontrar um café ou uma mercearia é que foi uma missão difícil. Ao procurar, passámos por um clube desportivo típico, onde desporto há pouco. Este polidesportivo usado como parque automóvel é uma boa metáfora de Portugal.
Quase a chegar a Condeixa-a-Nova, vimos no mapa e faltava meia-hora para a nossa última esperança de encontrar um sítio aberto ao domingo onde comprar comida.
Corremos e chegámos a tempo de jantar pizza num Intermarché. Metemo-nos de volta à estrada com estômagos reconfortados, a temperatura estava fixe e, goddammit, nós haveríamos de dormir nas Buracas, mesmo que lá chegássemos às tantas.
E chegámos, quase à à meia-noite, como eu tinha previsto. 🙂 Um senhor que meteu conversa connosco à noite, aconselhou-nos a pernoitar ainda em Casmilo, ao pé do parque de merendas, pois as Buracas eram um local ermo, a 2 Km da povoação de Casmilo. Quando lá chegámos ainda considerámos essa ideia, mas não era por 2 Km. Pernoitar ali não tinha a mesma vibe que fazê-lo no vale mesmo. Seria a diferença entre acordar numa barraca no fim da rua e acordar numa tenda no meio da natureza. 😉
Avançámos pela estrada de terra batida, a descer. Chegámos lá e estava muito escuro e super silencioso. Não tínhamos rede de telemóvel (a cena do ermo…). Andámos com os frontais e às apalpadelas à procura de um local onde montar a tenda. Tivémos que “dobrar” as ervas numa zona, deram uma cama fofinha. Finalmente deitámo-nos para dormir, exaustos mas satisfeitos. E, depois de debelados alguns pensamentos negros tipo “e agora se um de nós se sente mal e precisamos de ajuda, como fazemos, sem telemóvel e a 2 Km da povoação mais próxima (e mesmo assim, minúscula)?…” Dormimos, e foi mais um dia em que celebrámos debelar catástrofes. 🙂
De manhã ouvimos um ou dois tractores a passar por nós, mas ninguém parou nem nada. O sol apareceu e a bicharada começou a dar sinal de vida, e o silêncio da noite deu lugar aos chilreares que esperávamos. Num domingo podíamos ter ali companhia, mas a uma segunda-feira, tínhamos as Buracas só para nós.
Fomos dar uma volta e vê-las.
Oiçam só:
Queríamos tomar o pequeno almoço numa, e gozar a vista, a experiência, o momento.
E ainda dizem mal das segundas-feiras. You’re just doing them wrong. 🙂
Depois arrumámos o estaminé todo e pusémo-nos a caminho de Pombal, onde apanharíamos o comboio para Lisboa.
Bem, toda a parte de descer do Casmilo até chegarmos ao IC2 foi espectacular. Bonitas paisagens, pelo campo, sem carros, e piso praticamente todo asfaltado. E descidas gloriosas, claro. Adoro descidas gloriosas em bicicleta. É como voar mas sem perder contacto com a terra. 😀
No IC2 apanhámos uma ciclovia a la Dinamarca.
Ainda bem, porque pedalar ali teria sido uma porcaria dada a configuração da estrada e o nível e tipo de tráfego (muitos camiões).
Em Pombal almoçámos no jardim. A estação de Pombal não é má, tem cafetaria e WC, mas principalmente, tem um jardim público logo ao lado, com um WC público incrível, limpo, com todos os consumíveis, até um duche tinha!
Depois tivémos é que secar 1h à espera do comboio, que sofreu um atraso não sei porquê. Mas pacífico, todos os problemas da vida fossem esses! 😉
Os dois ou 3 dias antes de partirmos são sempre emocionalmente desconfortáveis. “Se calhar não devíamos estar a fazer isto agora, não devia gastar dinheiro agora, devia ficar a trabalhar, vamos meter-nos numa prova – quem pensamos que somos?, ainda nos lesionamos, e se não conseguimos fazer os 40 Km naquele dia, onde dormimos?”, and on, and on, and on. Mas felizmente, insistimos e vamos, e ficamos sempre felizes por isso. Lidar com as dúvidas, a self-doubt, as inseguranças, os receios, o medo de sair da zona de conforto, o risco!, é fundamental para crescermos, e para vivermos vidas cheias, plenas, satisfeitas. Foram pouco mais de 48h, mas mais uma vez o paradoxo das férias deixou-nos com a sensação de que estivémos fora uma semana, a fazer o que mais gostamos: viajar de bicicleta. 🙂
Todas as fotos aqui.