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Viajar trabalhando, trabalhar viajando

Isto não é um interregno.

Não vamos fazer umas férias da nossa vida de todos os dias. Não é uma pausa. É uma nova fase. Pelo menos é assim que escolho ver a coisa. Prefiro olhar para esta viagem como algo open ended, e não estar logo a pensar “quando regressamos?“, “o que faremos quando regressarmos?“. Não quero saber, nem tenho como saber.

Vamos viajar para trabalhar, e vamos trabalhar para viajar. E, claro, vamos ter que trabalhar para viver, como até aqui. Ora, e como faremos isso?…mantra

Bom, não sabemos ainda. Só quando nos fizermos à estrada é que descobriremos. Dá um frio na barriga quando pensamos nisso, largar o que conhecemos agora, por difícil e incerto e instável que seja (e é), e cair no mundo e ver o que dá, pois pensamos sempre:

mas provavelmente não vai dar e morremos à fome

Há essa possibilidade, mas temos que reunir coragem para pagar para ver, pois morrer toda a gente morre, mas viver implica acções deliberadas.

Ora, temos andado a investigar esta questão, há algumas hipóteses a explorar. Considerando opções que nos oferecem dinheiro ou comida – dado que o alojamento poderá ser a parte que mais facilmente asseguraremos de forma gratuita ou quase (ver brevemente post sobre opções de alojamento), temos:

Freelancing

Podemos continuar a ensinar adultos e crianças a andar de bicicleta e a conduzi-la, por onde passarmos. Não será possível fazê-lo com o mesmo nível de serviço com que o fazemos aqui, obviamente, não teremos o equipamento, a infraestrutura, o tempo, etc, mas poderemos ainda assim prestar um bom serviço. Da mesma forma, o Bruno poderá continuar a fazer trabalhos de mecânico de bicicleta compatíveis com as ferramentas à mão.

Podemos também ser uns nómadas digitais, é uma questão de desenvolver as nossas competências em áreas compatíveis. Um nómada digital é alguém que trabalha a partir de um computador com internet, basicamente, podendo fazê-lo em qualquer lugar, o que lhe permite viajar, mudando de casa ou de hotel ou o que seja, ao ritmo que desejar, e gerindo os seus horários de forma bastante livre. É o que fazem estas pessoas, e estas, e algumas destas, por exemplo.

Vai haver em Berlim, no final de Julho, uma conferência sobre isto. E já saiu o documentário Wireless Generation, da Christine Gilbert (uma nómada digital ela própria), que quero ver:

Este estilo de vida nómada associado a trabalho online parece-me cada vez mais interessante. Não sei se como estilo de vida definitivo, mas como experiência nova sem dúvida.

É apelativo, joga bem com os nossos perfis e com o que gostamos de fazer. Mas leva tempo a construir e até lá continuamos a ter que viver de alguma coisa. Ou seja, é essa a direcção, mas temos que a complementar com qualquer coisa mais imediata.

Trabalho em part-time em troca de alojamento & comida

Podemos ficar 1 ou 2 semanas (ou mais) de cada vez em ‘quintas orgânicas’, oferecendo ajuda em part-time (4-6 horas de trabalho por dia) em troca de comida & alojamento – a isto chama-se wwoofing. Para isso temos que nos registar na rede de cada país onde queremos trabalhar – ver WWOOF International, o que implica pagar uma anuidade em cada um dos países para podermos aceder à lista de quintas anfitriãs.

O site Worldpackers oferece o mesmo conceito mas aplicado a hostels. Contudo, a rede ainda é pequena, e achei pouco justa a troca pedida por muitos deles: 20-25 horas semanais de trabalho a troco de apenas alojamento (e em camaratas, em regra) e pequeno-almoço (ou seja, nem sequer inclui a alimentação diária por inteiro).

O HelpStay acaba por ser um mix, em troca de trabalho não remunerado, os anfitriões oferecem alojamento e, alguns, alimentação. Pareceu-me também um pouco desequilibrado, e falta-lhe escala.

Já o Work Away tem imensas ofertas, e variadas. Penso que este valerá a pena explorar melhor, mas a função de pesquisa é pobre, apenas permite pesquisar por país e região, e palavra chave, não tem categorias de trabalho associadas aos anúncios, tornando a pesquisa mais morosa.

Tal como o HelpX, de conceito idêntico., embora este categorize os anúncios por tipo de alojamento, pelo menos.

É comummente designado de voluntariado este tipo de sistemas de trocas de trabalho por alojamento & alimentação, contudo, uma pessoa tem que se questionar se isto é mesmo voluntariado. Pela definição:

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Ou seja, nada disto é propriamente voluntariado, pela definição acima, é trabalho temporário em que o pagamento é feito em géneros (alojamento e alimentação), e onde não há contratos de trabalho, descontos para a Segurança Social, nem seguros de trabalho. Isto só é aceitável porque é vocacionado para viajantes, pessoas que não vão ficar no mesmo lugar tempo suficiente para um emprego normal, e nem é isso que procuram, e porque uma parte importante da experiência, quer para os anfitriões, quer para os hóspedes, é justamente o intercâmbio cultural.

Para estadias curtas, em que as horas de trabalho pedidas são equilibradas face ao que é oferecido a nível das condições de alojamento e das refeições, esta informalidade e flexibilidade é interessante e parece-me tudo OK.

É como ir passar uns dias a casa de amigos ou familiares, e ajudá-los no que precisarem em troca da comida e dormida.

Como já tinha referido, o nosso grande objectivo era conseguir fazer isto, o conceito do HelpX (“help exchange“, ou “intercâmbio de ajuda“) mas também com escolas, lojas, oficinas, associações, fábricas, etc, etc, relacionados com a bicicleta, nomeadamente na sua vertente de transporte e lazer, para melhor podermos usar as nossas valências acumuladas ao longo destes últimos 10 anos, e para podermos documentar um pouco da bicicultura dos locais por onde passamos.

Acho que vamos experimentar tudo o que aparecer, e ver como corre!

Viajar de bicicleta poupando dinheiro e fazendo amigos

Registámo-nos na rede Warm Showers em Outubro de 2014 e desde essa altura já alojámos 9 pessoas, em 6 ocasiões (tivémos 2 casais e um “casal” de amigos), e rejeitámos (por indisponibilidade) outros 11 hóspedes. Antes disso já tínhamos alojado três outras pessoas em ocasiões diferentes, uma em reciprocidade (tinha ficado alojada em casa dela em Copenhaga aquando da conferência Velo-City 2011), outra por acaso, e outra por referência da segunda. A experiência tem sido variável mas bastante boa. É enriquecedor contactar com pessoas de diferentes países, em tipos diversos de viagens, e inspira-nos a fazermo-nos também nós à estrada. 🙂

Já tivémos connosco canadianos, belgas, um inglês, americanos, e um polaco (e antes, uma dinamarquesa, um austríaco e uma alemã). De viagens de 2 ou 3 semanas até viagens de 1 ou 2 anos ou mais, até um rapaz que já é efectivamente um nómada em bicicleta.

O que é a rede Warm Showers?

“Warm Showers” significa “duches quentes”. É “uma comunidade para ciclistas em viagem e anfitriões”. A comunidade Warm Showers é um intercâmbio gratuito de hospitalidade a nível mundial para viajantes em bicicleta. 1-Captura de ecrã total 20012015 142327As pessoas que estão dispostas a receber e alojar viajantes em bicicleta inscrevem-se e disponibilizam os seus contactos, e podem ter ocasionalmente alguém a pernoitar com eles e a partilhar boas histórias e uma bebida.

42 % dos ~51.000 membros da rede estão nos EUA, 40 % estão na Europa, e a língua franca na rede é o inglês. Portugal tem 229 membros neste momento, e apenas ~32 em Lisboa (daí, provavelmente, a grande procura que nós tivémos como anfitriões, logo desde início).  Desde 2012 que a rede tem tido um grande crescimento anual, duplicando o número de membros a cada ano.

O site tem uma secção de Perguntas Frequentes e já estão em português, podem saber mais aqui. Apenas em inglês, têm aqui dicas de como ser um bom hóspede, e aqui dicas de como ser um bom anfitrião.

Porquê ser anfitrião na rede Warm Showers?

Para viajar nas palavras e histórias dos hóspedes, ter contacto com outras pessoas, línguas, culturas, países, experiências, variar a rotina quotidiana, fazer amigos pelo mundo, e por reciprocidade – se um dia quisermos fazer-nos à estrada, ter feedback no nosso perfil de hóspedes que ficaram connosco e que gostaram da experiência dá-nos credibilidade, tornando mais provável encontrar, no futuro, anfitriões que nos queiram receber. E se realmente sonhamos viajar também, é uma excelente forma de ir aprendendo com as experiências dos outros!

Primeiros hóspedes oficiais Warm Showers: Dan & Kiri, lowgearlife.com

Primeiros hóspedes oficiais Warm Showers: Dan (& Kiri, que tirou a foto), lowgearlife.com

Porquê ser hóspede na rede Warm Showers?

Porque é mais barato, mais enriquecedor e mais interessante do que ficarmos sozinhos num alojamento formal comercial (que também sabe bem de vez em quando, claro, estarmos sozinhos, à vontade, sem os constrangimentos de estarmos “de favor” na casa e na vida de alguém). Conhecemos em primeira mão as pessoas e a cultura locais, e fazemos mais amigos pelo mundo.

Como aumentar a probabilidade de sermos aceites e bem recebidos por um anfitrião?

Tudo começa no nosso perfil: deve providenciar informação sobre nós, de onde somos, o que fazemos, que tipo de viagem estamos a fazer, ter feedback de outros anfitriões anteriores e até hóspedes, e idealmente ter algum blog e/ou perfil no Facebook que mostre aos anfitriões que aquela pessoa existe, tem um passado, passou por vários sítios e contactou com várias pessoas de forma positiva, e que comprove aquilo que o perfil ou a mensagem de contacto original diz. Queremos que o nosso perfil 1) seja interessante e 2) inspire confiança ao anfitrião.

A seguir, a primeira mensagem (e seguintes) de contacto com o anfitrião, a solicitar alojamento, que deve conter informações claras, os principais detalhes importantes, e inspirar confiança e empatia. Aqui fica uma sugestão de itens a incluir:

Olá [nome do anfitrião],
Obrigado pela sua oferta WS.
Estamos a viajar até [lugar] e começámos em [local] há [n] dias/semanas/meses/anos. Podem sabaer mais sobre nós e/ou sobre a nossa viagem neste [url] e neste [url] sites.
Gostaríamos de poder pernoitar em vossa casa de [data] a [data], por [n] noites.
Somos [n] pessoas [casal ou não]. Temos [ou não] uma tenda e/ou colchão e saco-cama, e contactámos [n] outros anfitriões em Lisboa.
Precisaremos [ou não] de lavar as nossas roupas – será possível fazê-lo em vossa casa, ou podem indicar-nos uma lavandaria self-service próxima?
Gostamos de nos levantar por volta das [horas], e coordenarmonos-emos convosco para não atrapalharmos a vossa rotina matinal quotidiana, claro.
Estamos neste momento em [local] e o nosso número de telemóvel é [número].
Obrigada, e esperamos o vosso contacto!

A WS é uma rede de intercâmbio de hospitalidade, não é uma rede de sítios onde ficar à pála, por isso é importante não fazer o nosso anfitrião sentir-se simplesmente usado, é importante que haja interacção e cooperação da parte dos hóspedes. Da mesma forma, normalmente os anfitriões recebem os hóspedes durante as suas vidas quotidianas normais, pelo que é importante minimizar o nosso impacto nos seus horários e nos seus encargos. Ficar apenas 1 noite pode não dar oportunidade de passar algum tempo com o anfitrião (ao jantar, por exemplo), dependendo dos horários de ambas as partes, e o anfitrião ganha pouco mais que roupa para lavar, e casa para limpar e arrumar, com aquela experiência. Ficar mais do que 3 noites pode perturbar demais as rotinas da família anfitriã. Nunca peçam para, nem esperem, ficar mais do que 3 noites – preparem o vosso plano B mas mantenham presente que se a experiência estiver a correr bem e se os anfitriões tiverem disponibilidade, além da vontade, eles próprios vos sugerirão para ficarem mais uma noite ou duas.

É importante notar que a rede de anfitriões Warm Showers é especificamente para pessoas que se encontram naquele momento a viajar de bicicleta – não apareçam a pé ou de carro…

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Alternativas e complementos à rede Warm Showers

Há outras redes mundiais de intercâmbio de hospitalidade (ver aqui), como a Couchsurfing que acredita que o mundo se torna melhor viajando e que as viagens são tornadas melhores pelas ligações, promovendo o intercâmbio cultural e o respeito mútuo, a The Hospitaly Club que acredita que fomentar este intercâmbio de pessoas aumenta a compreensão intercultural e fortalece a paz no nosso planeta. Estas são redes genéricas, não especificamente para ciclistas.

Este artigo tem umas boas dicas gerais de como ser um bom hóspede (aumentando assim o nosso “street cred” nas redes), está pensado para o Couchsurfing mas aplica-se bem a qualquer rede gratuita de intercâmbio de hospitalidade.

Vá lá, estão à espera de quê para se registarem e começarem a receber viajantes? 🙂